Isabel dos Santos, a princesa herdeira do trono de Angola, diz que está disponível para prestar “todo e qualquer esclarecimento” na Justiça, sobre a sua nomeação (pelo pai) para Presidente do Conselho de Administração da Sonangol.
Por Óscar Cabinda
Isabel dos Santos falava a propósito da providência cautelar que, supostamente, está a ser analisada no Tribunal Supremo, interposta em Junho, logo após a sua nomeação, por um grupo de advogados, que visava travar esse processo, ao abrigo da Lei da Probidade Pública (sobre o exercício de funções públicas), por se tratar da filha do chefe do Estado.
“Como cidadã angolana acredito na Justiça e acredito na existência da legalidade. E estou na disposição da Justiça e do meu país para responder a toda a qualquer convocação e prestar todo e qualquer esclarecimento. Como qualquer angolano ou angolana, tenho o dever de cumprir a lei e prestar contas se estiver a agir fora da lei”, disse Isabel dos Santos.
Ninguém duvida que Isabel dos Santos acredita na “justiça” que, por enquanto, actua sob as exclusivas ordens do Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos), do Presidente da República (José Eduardo dos Santos) e, é claro, do seu pai (José Eduardo dos Santos).
A PCA da Sonangol garantiu que a sua competência profissional não está em causa para as funções que assumiu, de liderar e conduzir o processo de reestruturação da petrolífera do regime, criticando o que classificou como “intrigas políticas” em “período pré-eleitoral” em Angola, tendo em conta as eleições gerais previstas para 2017.
“Garanto que a minha determinação em conduzir com sucesso esta missão não está em nada diminuída e tenho confiança que levarei a Sonangol a bom porto”, acrescentou, recordando os 20 anos de actividade como empresária e as funções de administradora de empresas “cotadas em bolsa na Europa”.
“Fui gestora de topo de várias empresas em Angola, o meu currículo fala por si”, afirmou Isabel dos Santos, considerada a mulher mais rica de África (obviamente graças ao seu currículo profissional), colocando de parte a sua saída da Sonangol, contrariando rumores que há vários dias circulam, publicamente, em Luanda, sobre uma alegada gravidez de risco.
São 12 os advogados angolanos que assinam a petição que deu entrada no Tribunal Supremo, em Luanda, a 10 de Junho, colocando em causa a legalidade da decisão de nomeação da empresária pelo seu pai e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, e pedindo a suspensão da mesma.
Para estes juristas, a nomeação viola a Lei da Probidade Pública, de 2010, e envolve uma queixa na Procuradoria-geral da República, subscrita pelos mesmos.
“Eu não cheguei a ir a tribunal, mas como disse estou disponível para prestar qualquer esclarecimento. E se for citada, aceitarei a citação”, afirmou Isabel dos Santos, que tomou posse como presidente do conselho de administração da Sonangol a 6 de Junho.
“Só o facto de o tribunal ter aceitado a providência, para nós já um passo muito importante. Porque ao aceitar, no mínimo tem razões bastantes para não a indeferir e pela primeira vez vamos ter a possibilidade de um tribunal indagar um Presidente por um acto por ele praticado”, explicou, em Outubro, o advogado David Mendes.
Estes advogados alegam que “ao ter permitido que a sua filha fosse nomeada”, o Presidente angolano terá cometido “uma improbidade pública” e que “devia ter-se abstido, como manda a lei”.
“É uma questão de protagonismo por parte dos instigadores desta acção (…) O período económico difícil que todos nós atravessamos devíamo-nos deixar focar muito mais na resolução dos nossos problemas da crise financeira”, retorquiu Isabel dos Santos, ao falar pela primeira vez sobre este caso.
“Constato que os instigadores desta acção, como o senhor David Mendes, até à data se reivindicavam fazer parte da sociedade civil, no entretanto revelaram que são actores políticos e que são membros activos dos partidos políticos da oposição, como a CASA-CE. E claramente, a meu ver, estão à procura de protagonismo para as suas campanhas eleitorais”, acusou a filha do chefe de Estado angolano e líder do MPLA.
A impoluta e divina santa Isabel
Alguns sectores da sociedade civil angolana pretendem realizar a 26 de Novembro, em Luanda, uma manifestação contestando a falta de decisão sobre a providência cautelar contra a nomeação de Isabel dos Santos.
Serão, mais uma vez, acusados de serem actores políticos que, na óptica do regime, apenas pretendem ganhar protagonismo à custa da impoluta e divina actuação dos membros do clã presidencial.
A referida manifestação está consagrada como um direito constitucional art.º 47.º CRA, se é que isso vale alguma coisa, e resulta da denegação de justiça, por parte do Tribunal Supremo, em não ter agido em tempo útil, a uma providência cautelar, que visava acautelar a protecção de um bem comum.
Embora, pelos vistos, não se aplique em Angola, o procedimento para a aplicação de uma providência cautelar é, nos Estados de Direito, simplificado e tem natureza urgente, pelo que pode mesmo dispensar a audição da parte contra quem é dirigido se o juiz entender que isso poria em risco o fim ou a eficácia da providência.
Embora, pelos vistos, não se aplique em Angola, uma vez decidida, a providência cautelar tem elevada força, e a sua infracção constitui um crime de desobediência qualificada, ou seja, agravada. Todavia, o tribunal pode dispensar a apresentação da acção principal se tiver ficado convencido acerca da existência do direito acautelado e se a medida cautelar for suficiente.
Esta forma de agir é a expressão no contexto do país, onde os poderes públicos são campeões no desrespeito das leis vigentes na República, uma vez, pelo menos formalmente, Angola não ser uma monarquia!
O sistema judiciário, amiúde é errático e usa dois pesos e duas medidas, porquanto, magistrados judiciais e do Ministério Público, logo após o seu empossamento, têm afirmado que vão cumprir escrupulosamente as orientações do senhor Presidente da República, quando deveriam comprometer-se com a Constituição e a Lei.
Embora, pelos vistos, não se aplique em Angola, os tribunais existem para afirmar e proteger os direitos dos cidadãos. Porém, essa função, para ser eficaz, implica muitas vezes a rápida defesa de direitos ou interesses que, com a habitual demora dos processos, poderiam ficar irremediavelmente prejudicados.
Os exemplos de discriminação e politização da justiça, estão à mão de semear. Depois de 8 (oito) anos, o Tribunal Supremo decidiu o caso da Igreja Maná, quiçá, na senda da caça aos votos religiosos (eleições 2017), mas não se pronuncia, em relação a um caso que viola flagrantemente a Constituição e a lei, que é o caso “Mpalabanda”, associação de Direitos Humanos, com sede em Cabinda.
Embora, pelos vistos, não se aplique em Angola, relembre-se que um Estado de direito é formado por duas componentes: o Estado (enquanto forma de organização política) e o Direito (enquanto conjunto das normas que regem o funcionamento de uma sociedade). Nestes casos, portanto, o poder do Estado encontra-se limitado pelo Direito.
Meditemos sobre o oposto. O Estado de Direito surge por oposição ao Estado Absolutista, em que o rei se encontrava acima de todos os cidadãos e podia ordenar e mandar sem que mais nenhum poder lhe fizesse contrapeso. O Estado de Direito, por sua vez, supõe que o poder surge do povo, o qual elege os seus representantes para o governo.
Com o desenvolvimento do Estado de Direito, aparece a divisão de poderes (o Poder Legislativo, o Poder Judicial e o Poder Executivo, três instâncias que, no Estado Absolutista, se reuniam na figura do rei). Desta forma, os tribunais tornam-se autónomos relativamente ao soberano e aparece o parlamento para fazer frente e oposição ao poder do governante.
Embora, pelos vistos, não se aplique em Angola, a noção de democracia é outro conceito relacionado com o Estado de Direito, uma vez que supõe que o povo tem o poder e o exerce através das eleições ao eleger os seus representantes.
Em todo o caso, há que ter em conta que a democracia não implica que exista um verdadeiro Estado de Direito. Um líder pode chegar ao poder por vias democráticas e depois abolir o Estado de direito, como foi o caso de Adolf Hitler na Alemanha. Também podem existir governos que respeitam o funcionamento democrático perante determinadas questões mas que violam o Estado de Direito perante outras.
Ciente de que “um país mudo não muda”, o grito de indignação e protesto de alguns cidadãos angolanos, promotores da manifestação, faz todo sentido, independentemente, da decisão do Tribunal Supremo de 25 de Outubro de 2016, questionar o Requerido (Presidente da República e filha primogénita), porque transcorridos mais de 120 dias, sobre a providência cautelar – uma medida judicial que deve ser decidida dentro de prazos legalmente previstos, por visar “acautelar a irreparibilidade dos danos decorrentes da execução de um acto administrativo ilegal e o efeito útil de uma decisão que venha a ser proferida no processo principal”.
Neste momento, tudo incrimina a acção do Tribunal Supremo, pois um acto que deveria ser acautelado num prazo máximo de até 30 dias (pela matéria de facto exposta poderia e deveria a decisão ser tomada em tempo bem mais curto), ultrapassando mais de 100, muitas das provas de desvio de dinheiro público, para particulares e partido, já foram, seguramente, eliminadas, pois em política não há coincidências.
O procedimento para a aplicação da Providência Cautelar poderia até ser simplificado e ter natureza urgente, pelo que pode mesmo dispensar a audição da parte contra quem é dirigida se o juiz entender que isso poria em risco o fim ou a eficácia da providência.